sexta-feira, 27 de maio de 2016

O jazz de Verônica



Ela está sentada em algum café em uma cidade distante, sua memória parece flutuar contra o sol do entardecer, onde os prédios espelhados parecem um céu refletindo - o. Não lembra do seu próprio nome e suas lembranças talvez nunca voltem. Apenas sabe que era noiva de alguém que se chamava Victor. Victor acabou falecendo no acidente e o que restou dos dois e suas possíveis lembranças foi apenas uma caixa.

A única coisa que sabe que as pessoas falam é que estava feliz, ele tinha a pedido em casamento e ainda guarda o anel e uma foto dos dois. Verônica não tem nenhuma lembrança dos dias felizes com ele. No pequeno apartamento onde já estavam juntos há alguns anos há coisas antigas, retros, quadros que compraram juntos, um porta-retrato com a foto dos dois muito sorridentes, e nada trás uma ínfima ideia de como passou os dias naquele lugar. Se fizeram guerra de almofadas, se comiam brigadeiro assistindo comédias românticas, se discutiram alguma vez, qual seria seu cheiro, o som da sua risada, nem o tom da sua voz ela lembra. Muitas perguntas e muito “se” que ninguém foi capaz de responder.

Ela vivia em mundo suspendo com lembranças que os outros falavam e tinha a impressão que apesar de tudo alguma coisa dentro dela era mais forte e em algum momento  iria lembrar-se de qualquer detalhe. Um detalhe pequeno que seja uma memória escondida atrás da sua mente agora apagada. Ela tinha esse dever não por ela, no entanto por esse amor intenso que as pessoas  comentavam de como ele a fazia feliz todos os dias.

A família e os médicos disseram que seria melhor viajar, conhecer outros lugares, novos ares, ver gente, quem sabe alguma lembrança dentro dela que está adormecida poderia por um milagre despertar. E nesse momento ela está ali como uma caixa em branco recuperando algum resquício de sua história.  Mantém um diário para lembrar-se das pequenas coisas que a faz feliz. O sol do fim da tarde, um livro bom, uma pessoa nova que a conhece e até a comida favorita. Verônica está se reconhecendo como ser humano em um mundo que não é mais seu.

De repente em algum lugar em algum momento ela ouve uma música, e a mesma fez seu coração bater e alguma imagem de um garoto sem rosto em algum lugar pegou sua mão e a fez dançar rodou com ela e a fez rir muito. Verônica repetia freneticamente que jazz não se dança, e ele a rodopiava cada vez mais forte. E ria, e ria, e ria, até que a imagem se apagou...  Um jazz que fez seu mundo parecer mais perto de seu coração e a fez sentir mais perto das outras pessoas que também fazem parte do seu mundo. Pode não se lembrar de momentos passados e sua vida parecer atribulada, porém  agora ela tem certeza que esse jazz fez parte da sua vida.  Na primeira página de seu diário está escrito com uma letra bonita em caixa alta o título: O Jazz de Verônica. Depois desse dia sua vida teve um novo sentido.

Beijos enormes!

Texto publicado originalmente no jornal: A Novidade



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